Search
Close this search box.

A descoberta da leitura

A invenção da escrita talvez tenha sido uma das maiores criações do homem. A codificação do pensamento através de signos proporcionou ao homem armazenar conhecimento além dos limites da sua memória, um processo que desencadeou uma infinidade de conquistas em todos os campos do saber.

As primeiras escritas se prenderam mais a desenhos de figuras representativas, ideogramas capazes de traduzirem, ou tentarem traduzir, o que o homem pensava e tentava registrar. Era o começo de uma grande aventura. Escrever e ler, ou seja: codificar e decodificar um pensamento expresso em sinais. Por isso, a alfabetização continua sendo um dos maiores componentes da cidadania e um dos maiores desafios sociais.

Li pela primeira vez ali pela metade do ano de 1946. Tinha pouco mais de 6 anos de idade, e raramente encontrei um prazer maior do que aquele que experimentei ao ler, num soletrar lento e curioso, aquela manchete do Jornal do Brasil que o meu pai assinava e que recebíamos todos os dias em nossa casa, na Rua Desembargador Canêdo, antiga Rua do Canto. Foge-me da memória o assunto do jornal, mas permanece a lembrança daquele êxtase de uma criança que se abria para os mistérios leitura. Aprendi a ler e a escrever na Escola Maria Auxiliadora, um modelo de educandário dirigido pela competente professora Maria de Lourdes Alves Vieira.

Os meses que se sucederam à primeira leitura foram de uma quase obsessão por ler todas as placas e avisos que via pelas ruas da nossa cidade. Quando saía com a minha mãe em visita à casa da minha avó, parava em frente a cada placa de estabelecimento comercial, soletrando-lhe o nome e enchendo-me de prazer a cada descoberta. E ela me puxava pelo braço, dizendo já estar atrasada, e eu ia meio que arrastado, virando a cabeça para trás para completar a leitura. Cada palavra ou cada frase que lia era uma vitória.

Paralelamente à descoberta da leitura, fui descobrindo os mistérios da escrita, e saíamos, crianças que éramos, a escrever, com cacos de tijolo pelos muros e paredes do nosso bairro, as palavras que nos vinham à cabeça e que o nosso ainda incipiente conhecimento da escrita permitia. Aventurávamos pelas chamadas escritas proibidas, quando distantes dos adultos, registrávamos a cacos de tijolo as pequenas e inocentes obscenidades infantis com aquelas palavras ditas feias pelos mais velhos, mas que povoavam a imaginação dos meninos, que já se abriam para a sexualidade.

Daria tudo para voltar àqueles anos, como adulto, e contemplar-me como criança, só para ver o brilho daqueles olhos em sua primeira leitura. Depois, andar ao seu lado vendo-o escrever pelos muros e paredes do bairro, portando um caco de tijolo como lápis. Mas aí eu me lembro que não preciso voltar tão longe no tempo, pois esta semana mesmo meu neto, aos 6 anos, já começou a escrever, e ainda ontem li, com a maior satisfação de um avô coruja, um inocente palavrãozinho escrito sobre o plástico da minha mesa de computador. Aquela pequenina palavra remeteu-me de volta a mim mesmo naquele tempo que se foi e encheu-me de satisfação. Que ninguém da família desmanche ou rasure aquela pequenina arte do meu neto. Faz parte da história dele, como faz da minha…

Deixe um comentário

Outras Notícias