Adellunar Marge

Muito já se falou sobre a brevidade da vida, principalmente quando se compara com a hipótese de haver uma vida espiritual eterna. É que o tempo passa rápido, ainda que deixando profundas marcas nos seres vivos, envelhecendo-os, debilitando-os até o legado final da morte. Quem não queria passar desta vida tão efêmera, tão breve, para uma outra eterna e, principalmente, imune às ações do tempo?

Aurélio Agostinho, de enorme influência no pensamento cristão da Idade Média, nasceu em Tagasta (atual Souq-Ahras, na Argélia) no ano 354 e faleceu em Hipona (Numídia), no ano 430. O grande problema que ocupou sem dúvida alguma o pensamento de Agostino, foi o problema do mal. Conceituá-lo e tentar superá-lo foi a sua principal luta.

Jostein Gaarder, filósofo e escritor norueguês, baseado na cópia de manuscritos de Flora Emília, concubina durante muitos anos de Aurélio Agostinho, adquiridos em um Sebo de Buenos Aires, escreveu o pequeno mas ambicioso livro de pouco mais de 70 páginas, intitulado “Vita Brevis”.

Vita Brevis, portanto, é uma compilação de partes de dezenas de folhas de pergaminho escritos por Flora Emília relatando todo o drama do amor entre ela e Aurélio Agostino, uma relação sempre rejeitada por Mônica, a mãe de Agostinho e que encontrou sua maior barreira nas futuras convicções religiosas do teólogo cristão. Para Flora Emília, Agostinho a cita em apenas duas frases em sua obra “Confissões” e ainda assim, sem mencionar o seu nome.

Em sua juventude, Agostinho era ligado aos prazeres da vida, principalmente aos prazeres sensuais e, embora jovem e desajeitado nessas relações, conforme confidencia Flora Emília, “possuía uma sensualidade irrefreável, distribuída por todo o corpo”. De um relacionamento que se estendeu por doze anos, Agostinho e Flora tiveram o filho Adeodato, que Agostinho se referia sempre como “fruto do meu pecado”. Adeotado foi arrebatado da companhia de Flora Emília por Agostinho quando ele a mandou de volta para Cartago.

O conteúdo de “Vita Brevis”, relatado por Jostein Gaarder como exposto por Flora no latim próprio do quarto e quinto séculos da era cristã, é o desabafo de uma mulher, como amante e mãe. Ela condena o abandono a que foi relegada e a condenação do seu amor, culpando Mônica, a mãe de Agostinho, pela separação. Agostinho foi sempre atormentado pelos chamados prazeres sensíveis, condenando os prazeres da audição, do olfato e da visão. Recusava-se a sentir o odor de um perfume, a ouvir a beleza da música de um salmo, ou a contemplar a beleza de uma flor. Flora, ao contrário, ama a vida, o cantar dos pássaros e entende que essas manifestações do belo foram criadas tão divinamente quanto o sexo e que é direito de qualquer ser humano se deleitar com toda a obra da criação. Flora acusa Mônica, a mãe de Aurel, como ela o chamava, de ter provocado a separação dos dois. Mônica queria para o filho Agostinho um casamento com uma moça de conceituada posição social, mas a menina pedida em casamento tinha apenas 11 anos e, pela lei da época, era preciso esperar mais dois anos para que o casamento se realizasse. Segundo Flora, em uma Primavera, quando ela foi a Milão para se encontrar com Agostinho, Mônica foi às pressas para lá para se colocar entre ambos e desfazer a união. Segundo a redatora das cartas, Agostinho põe um limite em suas “Confissões”, não relatando as faltas mais graves, entre elas, a negação daquele amor que os unira por doze anos. Assim, Flora foi separada do seu grande amor Aurel, como ela o chamava. Um homem que, segundo ela, vivia numa luta constante contra as “tentações da carne” e dominado por uma prática obcecada de jejuns e de mortificações.

Flora Emília jamais se ligou a outro amor. Não se deixou batizar, talvez por um sentimento interior de indignação, mas aprimorou sua cultura, o seu saber, exercendo a função de professora de Retórica. Adeodato, o “fruto do pecado”, como era chamado por Agostinho, morreu com pouco mais de dezessete anos. Para ele sim, a vida foi bastante breve…