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As meninas do casarão

Era um mundo à parte as noites na Avenida Freitas. Para aquela avenida afluíam jovens e velhos em busca do prazer ou da atenção momentânea daquelas mulheres de vida não tão fácil como diziam as pessoas. Um prazer ou uma atenção pagos à vista, dentro das normas e tradições do mais antigo comércio do mundo. O sonho de todo jovem era se tornar adulto e poder penetrar nos mistérios daquela avenida e, quando o fazia, sentia-se homem feito, senhor de si mesmo, ainda que os poucos anos de vida e de experiência não lhe tivessem conferido ainda o amadurecimento existencial. Esse, conquistaria aos poucos, com o passar dos anos e das vivências.

Os motivos que levavam aquelas mulheres a comercializarem o próprio corpo eram os mais variados possíveis e ali, sob as luzes vermelhas do Casarão ou do Sobrado, entre copos de cerveja ou de Traçado, a gente ouvia aquelas histórias de vida, atentos e comovidos. Algumas soando verdadeiras como íntimas confissões. Outras, tão falsas como o amor momentâneo que elas simulavam e vendiam aos clientes da noite.

A missão de uma “mulher da vida” ia, às vezes, muito além dos prazeres do leito. Costumavam ser confidentes, conselheiras, psicólogas e, com anos de leito, algumas delas conheciam como ninguém os segredos da alma humana. Entre um sorriso tímido ou uma gargalhada espontânea, costumavam desvelar também um pouco da sua própria alma e se revelavam como seres de sentimento, com sonhos e esperanças. Nem sempre eram as almas devassas que a hipocrisia social condenava e discriminava. Eram mulheres, e como mulheres, também cultivavam vaidades e meiguices.

Quando iam aos bazares para comprarem tecidos e utilidades, eram atendidas no fundo das lojas, longe da vista e da censura das senhoras e senhoritas da sociedade, uma sociedade que sabia da sua existência, aceitava o seu dinheiro, mas, hipocritamente, as discriminavam como uma nódoa social… uma aberração.

Os nomes daquelas mulheres quase sempre eram outros. Vinham de outras cidades, fugindo de um destino e em busca de outro, trazendo mágoas e recordações e, instaladas naqueles antros da Avenida Freitas, acreditavam conseguir dias melhores. Janete, Rosário, Das Dores, qualquer que fosse o nome, as histórias eram quase sempre as mesmas.

Os bailes no Casarão eram animados. O Oswaldo, no violão elétrico, o João, no pandeiro, um ritmista que fazia misérias na bateria, interpretavam os boleros famosos da época: La Barca, Frenesi, Três Palabras, Dos Almas, Besame Mucho… e tantas outras pérolas da música latina. Aquelas mulheres, também excelentes dançarinas, nos ensinavam a arte da dança naquele imenso salão à meia luz com o ar impregnado pelo odor de perfumes baratos ou, às vezes, de um “Suspiro de Granada”, um “Coty” ou aquelas brilhantinas perfumadas que usávamos para fixar o cabelo.

Aquelas antigas mulheres foram substituídas por sua versão moderna: as garotas de programa, com fotos em sites e whatsapps e com corpos esculturalizados por silicones e os milagres das plásticas modernas. Talvez possam ter se especializado até mais na arte do prazer, mas não sei se conseguiram manter o charme e o encanto das antigas “damas” da Avenida Freitas…

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