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NO TEMPO DAS CALÇAS CURTAS

Adellunar Marge

Naqueles tempos (que na memória vão tão longe que quase se perdem na lembrança) a infância era bem diferente. Nem pior, nem melhor, apenas diferente em razão do tempo. Andávamos de calças curtas com suspensórios de pano, com dois bolsos espaçosos, capazes de conter todos os tesouros de uma criança da época: uma atiradeira com gancho de esperta e elásticos de câmara de ar de bicicleta, bolas de gude, algumas tampinhas de cerveja e um peão de Cabiúna com ponta de aço afiado, capaz de aceitar qualquer desafio nos torneios de calçada.

Andávamos descalços, pegávamos passarinhos em arapucas de bambus para depois… logo depois, devolvê-los à liberdade, só pelo prazer da astúcia de garoto. A prisão temporária eram caixotes de “Maisena” telados de um lado, de onde os aflitos coleirinhos e rolinhas, espreitavam a liberdade que viria logo, sem necessidade de HC no STF.

As ruas, com raríssimos automóveis, com calçamento de paralelepípedos, se prestavam a campos de “pelada” com “bolas de meia” e balizas demarcadas com dois tijolos. De quando em quando era um dedão machucado, uma unha quebrada nos ressaltos do calçamento. A Desembargador Canêdo era o nosso Estádio de todos os dias. Nos dias de chuva o andar pelas enxurradas no canto dos meio-fios, a bronca das mães e as gripes e resfriados que terminavam em agulhadas dolorosas de Benzetacil. Mas como falava o poeta português Fernando Pessoa, “tudo vale a pena, se a alma não é pequena” e não existe alma maior e mais pura do que a de uma criança.

Aí, vinha a adolescência, as primeiras espinhas no rosto, o despertar da sexualidade, as leituras noturnas das revistas do “X-9”, do “Tarzan” e a transição difícil e necessária para o jovem adulto que surgia. Com o adulto, as primeiras manifestações de vaidade, a grudenta Brilhantina Glostora, os pentes de osso no bolso de trás da calça, sapatos engraxados e o olhar atento nas meninas. Nos finais de semana os bailes ou “brincadeiras” nas casas de família, com uma Eletrola sempre a embalar os nossos sonhos com os memoráveis Boleros em 78 rpm, de uma Cuba ainda não destruída pela ditadura Castro. Uma vez ao ano o memorável Carnaval no MTC. Eram sim bons tempos. Não que os de hoje também não o sejam. Cada época tem os seus encantos e os seus desencantos. É claro que as crianças e muitos adultos de hoje não conheceram os motores a pedal dos dentistas de antigamente, os tratamentos de canal com óleo de cravo, as embrocações das amígdalas com iodo e as mulheres nem sonham com os partos dolorosos e traumáticos com “fórceps”. É, têm coisas que, definitivamente, não deixaram saudades mesmo.

Mas na política a saudade permanece. Saudade daqueles vultos de fibra e conhecimento que nos representavam no Congresso Nacional. Quando lembramos de nomes como Afonso Arinos de Melo Franco, Gustavo Capanema, Otávio Mangabeira, Milton Campos, Célio Borja, Nelson Carneiro, entre tantos outros, não resistimos a comparação com a quadrilha do “mensalão” e do “petrorrombo” que assaltou os cofres públicos e amesquinhou as nossas instituições nesses últimos treze anos. Alguns já estão presos e cumprindo pena por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa, mas outros, por morosidade ou recursos da lei, ainda estão soltinhos por aí. Mas querem voltar ao poder a todo custo, contando com a patológica ideologia de uma minoria da população. O pior é que eu nunca confiei nas urnas eletrônicas. Por que os países mais adiantados do mundo não as usam ? Será que nós somos os supra sumos da inteligência e da vanguarda tecnológica? Tenho saudade daquelas cédulas de papel que podiam ser contadas e recontadas até não pairar mais nenhuma dúvida sobre a expressão da vontade popular.

 

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