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O delegado cantor

No início da década de 1950 a nossa Muriaé era bem diferente. Uma meia dúzia de carros transitava por suas ruas de paralelepípedos e o resto dos veículos era distribuído entre carros de bois, carroças de burro, charretes e bicicletas Raleigh, Philipps, de cano simples ou duplo e algumas Monarks de cano curvado, próprias para mulheres, pois não incomodavam-lhes as saias.

A segurança pública era uma tarefa mais tranqüila, pois a cidade era pacata como todas as pequenas cidades do interior. Normalmente ficava a cargo de um delegado, auxiliado por dois ou três policiais fardados, antecessores da PM atual. Vestiam normalmente um uniforme caqui amarelado, mais pelo uso do que pela cor mesmo do tecido e costumavam portar um fuzil como aqueles dos antigos Tiros de Guerra. Desses policiais lembro-me bem do Cabo Jõao, um negro magro e extremamente educado nas abordagens e do também inesquecível Severiano, sem falar no Ferreirinha.

O Delegado a que me refiro no título da crônica era o Dr. Austein Drumond, que chefiou a segurança pública em nossa cidade, se não me falha a memória, de 1951 a 1953 e residia na Rua Desembargador Canedo, em uma casa pouco depois da casa dos meus pais. Naquela época a Delegacia de Polícia não possuía veículos e o delegado se deslocava nos chamados automóveis de aluguel, ou taxis, como chamariam mais tarde. A população, sensibilizada com a situação, aderiu a uma lista de contribuições voluntárias e adquiriu-se um Jepp Willys, que foi doado à Delegacia em nome do povo de Muriaé.

Recebido o Jeep, passou-se ao segundo desafio que era ensinar ao Delegado os segredos da direção. A tarefa foi desempenhada pelo meu irmão Adalmus e pelo também vizinho, César Marota.

O Dr. Austein Drumond possuía um ventre acentuado e o meu irmão teve que proceder algumas alterações na poltrona do veículo, afastando-a o máximo possível do volante e fixando-a com solda a oxigênio, conforme tecnologia da época. O Delegado se houve bem com a arte da direção, menos uma vez, quando acompanhado de um sargento e passando em uma rua que existia em frente à Prefeitura, subiu com o veículo nos degraus da escada de entrada do Paço Municipal e capotou. Ainda bem que ninguém se feriu e o veículo pouco dano sofreu.

O Dr. Austein era uma pessoa extremamente simpática e agradável. Casado com a gentil senhora D. Zelândia, tinha com ela cinco filhos: Rui Benedito, Winston, Verinha, Marco Antônio e um outro cujo nome não me vem à memória. Aos finais de semana era comum o simpático delegado convidar a vizinhança para o rotineiro sarau musical em sua casa. Reunidos todos na área externa da ampla residência, o Dr. Austein se fazia acompanhar  por um violão e cantava grandes sucessos da música popular. Através da sua potente voz ouvíamos a nata dos boleros e, principalmente, “Maria Bonita” de Agustin Lara, que era referência em todas as apresentações do Delegado. Era um tempo bom…!

Aos sábados à tarde, o Dr. Austein pedia emprestado ao meu pai um Caminhão International KB-7 e o meu irmão ia ao volante com o Delegado e um sargento ao lado, recolhendo na carroceria suspeitos de “vadiagem”, que naquela época era passível de recolhimento ao xadrez. O caminhão, de um vermelho vivo, ficou tão conhecido na rua que nos dias de semana quando o meu irmão saía a trabalho com o caminhão e era avistado de longe as pessoas gritavam: “Olha o rapa” e a malandragem, como dizia Bezerra da Silva, “saía da área e dava um tempo”.

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