Search
Close this search box.

REFLEXÃO NATALINA

Adellunar Marge

Obedecendo a origem da palavra, natalino se refere obviamente a natal ou mais especificamente ao nascimento de Cristo naquelas paragens conturbadas da Palestina, que vivia e ainda vive em pé de guerra com os povos vizinhos. Segundo a tradição cristã o Natal, agora grafado com inicial maiúscula, marcaria o nascimento do Salvador dos homens há mais de dois mil anos.

Embora relembrando essa tradição mais que milenar, o Natal passou a simbolizar com mais intensidade aquela época de festas, de confraternização onde a maioria das pessoas, ligadas por laços familiares ou de amizade,  se reúne menos para orar do que para comemorar e “bebemorar” aquela noite de vinte e quatro para vinte e cinco de dezembro. O poderoso marketing das lojas e o inequívoco desejo de consumir desespiritualizaram gradativamente esses momentos de reunião, materializando-o. É claro que nessas noites, reservou-se alguns pequenos momentos para reflexões religiosas, mas o enredo fica mesmo por conta do espírito festeiro do ser humano. Neste ano que já agoniza, não será diferente.

Dos setenta e tantos Natais que comemorou, Florisvaldo traz vivo na memória uns setenta, mais ou menos.  Lembra-se das noites de festa, daquela leitoa com cara de vítima enfeitando a mesa, dos adereços verdes e dourados e da guirlanda Natalina enfeitando a porta da casa. Mas o que não lhe sai mesmo da memória são os presentes que ganhava.

Sua família sempre fora de pequenas posses. A leitoa era fruto de uma economia de meses, os enfeites feitos em casa mesmo por suas hábeis irmãs, custavam pouco mais que nada. E os presentes? Os presentes eram na medida exata dos sonhos de cada um. As dificuldades econômicas do dia-a-dia ensinara a todos da família que sonho tem tamanho. Todos naquela casa sonhavam o sonho possível, por isso jamais se decepcionavam pois os seus sonhos eram do tamanho certinho das possibilidades econômicas dos pais.

Florisvaldo, recostado naquela velha cadeira de balanço, lembrou-se de um Natal em que desejou um carrinho de celulóide, um material novo que surgira bem antes da invenção da matéria plástica. Pela manhã daquele Natal lá estava, sobre os seus sapatos engraxados e brilhantes, o caminhãozinho vermelho, menor que suas pequeninas mãos mas que lhe estampara na face aquele sorriso de alegria que nem o tempo conseguiu apagar.

Os sonhos têm tamanho sim. São como os números de sapato. Moldam-se aos nossos anseios como o calçado aos nossos pés. Se os sonhos não coincidem com as nossas possibilidades magoam o nosso espírito assim como o sapato fora do número magoa os nossos pés.

Talvez por isso, aquele espírito crítico de nascença do Florisvaldo, o imunizasse de muitas dores desnecessárias do mundo. Para ser feliz jamais precisou de vitórias arrebatadoras. Os pequenos mimos que a vida lhe oferecia transformavam-se em majestosos prazeres.

Neste Natal, desejaremos mais uma vez a paz entre os povos, mas os israelenses continuarão com a sua política de ocupação e anexação; desejaremos mais uma vez o fim da violência urbana e o surgimento de uma convivência pacífica; cantaremos, por alguns minutos e em orações contritas, pedidos para que tudo isso aconteça e sempre antecedendo cada pedido com o indefectível “que”, como se apenas ele, como minúscula partícula “descompromissadora”,  pudesse salvar o mundo sem a nossa obstinada atuação.

Não foi à toa que Protágoras, no séc. V a.C, colocou nos ombros do homem toda a responsabilidade, afirmando que “o homem é a medida de todas as coisas”.

 

Deixe um comentário

Outras Notícias