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Tormentos de antigamente

Adellunar Marge

É muito difícil alguém não ter medo de tomar injeções. Muitas pessoas dizem que não têm, obviamente mentem. Só pela maneira como prendem a respiração na hora da agulhada ou na conversa puxada  com o aplicador, com a intenção justamente de desviar a atenção, mostra, se não um medo, pelo menos um certo incômodo interior ao enfrentar a agulha.

Assim é nas injeções comuns ou na hora de “colher” sangue para exame. No laboratório onde faço meus exames de sangue eu fico observando a fisionomia daqueles que esperam a sua vez, lendo revistas, conversando com o parceiro ao lado, mas com o espírito atento ao momento da agulhada. Será que vão achar a veia da primeira vez?

A Medicina progrediu muito nas últimas décadas. Poderosos fármacos foram desenvolvidos, assim como os exames laboratoriais para o diagnóstico dos mais diversos males, mas o gênio humano ainda não foi capaz de abolir a agulha e certos procedimentos invasivos que invadem não só o nosso corpo, mas o nosso interior, devastando os nossos medos.

Nos meus tempos de criança a coisa era ainda bem pior. Quando se adquiria uma infecção qualquer, se receitava penicilina, que àquela época vinha em pó dentro de um vidrinho com tampa de borracha e deveria ser dissolvida na água destilada que vinha em uma ampola de vidro. Esse medicamento era injetado normalmente de três em três horas. Como eram muitas agulhadas por dia, ia-se alternando as agulhadas na nádega direita, na esquerda, no braço esquerdo e no direito. Mas existia coisa ainda pior para o horror das crianças. Era quando o médico receitava injeções de bismuto… amarelas e oleosas. Essas, sim, doíam demais e necessitava-se de “compressas” de panos embebidos em água quente para dissolver o produto no local da aplicação e reduzir a dor.

Um dos grandes aplicadores de injeções em meus tempos de criança era o famoso farmacêutico Paschoal Bernardino Felipe, ou “Sô Bernardino”, como era referido. Normalmente a gente era imobilizado por pessoas da família na hora da aplicação, com o farmacêutico falando:

– Fique quieto..! Se mexer a agulha quebra lá dentro e vai ter que rasgar…! (rasgar seria uma incisão com bisturi para retirar o tal pedaço da agulha) É claro que a criança podia até chorar, mas na hora da agulhada ficava imóvel, pois o medo do bisturi era ainda maior.

A “Farmácia Paschoal”, do senhor Bernardino, ficava  ali na rua que tem o seu nome, atrás da Praça João Pinheiro, era uma das mais importantes da região. Naquela época os médicos colocavam na receita as fórmulas da maior parte dos remédios que receitavam e a farmácia procedia à manipulação. A Farmácia Paschoal possuía grandes potes de cerâmica, com decorações coloridas, onde eram guardados os sais e outros componentes para a manipulação.

Mas o famoso farmacêutico desempenhava também um papel importante na educação das crianças, pois quando fazíamos alguma “arte”, como andar na chuva brincando com barquinhos de papel nas enxurradas, nossas mães diziam, em tom de ameaça:

– Saia da chuva, se não, vou levar você no sô Bernardino para tomar injeção…

Movida pelo medo, a obediência era imediata. Essa pedagogia, comum naquela época, muitas vezes cristalizou os medos de agulha na vida adulta.

Ter infecção de garganta naquela época era um tormento. Éramos levados ao consultório do saudoso Dr. Evaristo ou na Farmácia do Senhor Bernardino, para se fazer “embrocação”. Munido de um raio de bicicleta com uma mecha de algodão embebida em uma solução de iodo na ponta, esfregava-se as paredes mais profundas da garganta duas ou três vezes por semana. O tratamento era eficaz, mas além, de doloroso e incômodo, ainda provocava vômito.

Ainda bem que certas coisas ficam no passado. Já pensou se hoje ainda tivéssemos de enfrentar injeções de bismuto, embrocações e os motores a pedal dos dentistas…?

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