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A palavra

A palavra é uma necessidade humana. Uma necessidade que surgiu no momento em que o homem precisou transmitir ao outro o seu pensamento. Iniciada tropegamente com a imitação dos sons daquilo que queria representar, aperfeiçoou-se com o tempo, tentando desesperadamente traduzir o complexo e denso pensamento humano.

Além de instrumento de expressão do pensamento, ainda que incompleto e falho, como diria Augusto dos Anjos, pois “tropeça no molambo da língua paralítica”, as palavras, quando articuladas em frases de efeito, passam também a satisfazer certas necessidades interiores do homem, confortando-lhe o espírito e preenchendo as lacunas resultantes de carências afetivas, de problemas interiores mal resolvidos. Por isso, a palavra age naquele que a emite e naquele que a escuta, satisfazendo um e outro.

Diz um texto religioso que “no princípio era a Palavra… e a Palavra estava com Deus… e a Palavra era Deus”. Nomeada como “Logos” grego ou como “Verbo” latino, a palavra tem sido na história humana esse misterioso e formidável elemento que diferencia o homem dos irracionais. Palavra e pensamento se confundem.

Os ditados, frases ou pensamentos colocados na boca de personagens, os mais diversos, cumprem um papel social de significativa importância. São verdadeiros fármacos existenciais, bússolas orientadoras de comportamento. Quem nunca citou uma frase famosa, recitada com efeito e eloquência, para embasar uma opinião ou um ponto de vista? “Chamam os rios de violentos, mas não chamam de violentas as margens que o aprisionam” (B.Brecht), “O homem nasce bom, é a sociedade que o corrompe” (Rousseau) e tantas outras pérolas que, ao longo da vida, vão embasando nossos atos e opiniões e dando sentido à nossa existência.

Na realidade, as pessoas, impotentes diante da realidade, se apegam a essas frases como os crentes se apegam às orações, para compensarem suas limitações interiores.

Nem sempre algumas frases são atribuídas aos seus autores verdadeiros. Por desconhecimento ou intencionalidade, trocam-se os autores, mas o pensamento expresso continua gerando os seus efeitos animadores, tonificando a vida. Quantos citam “Navegar é preciso, viver não é preciso” como uma pérola de Fernando Pessoa, e desconhecem que essa citação é do general romano Pompeu, que a pronunciou por volta dos anos 70 a.C., na Sicília, para animar os seus soldados quando embarcavam nos navios para levar trigo à Roma, diante de uma violenta tempestade. “Navigare necesse est, vivere non est necesse”, disse o general romano. E há os que afirmam que essa frase já era de domínio público na Grécia antiga.

As palavras sempre moveram o mundo, tanto para o bem como para o mal. Transitaram pela boca de santos e profetas, de idealistas sinceros e de demagogos e tiranos e, por serem assim tão poderosas, continuarão sendo o instrumento fundamental das relações humanas.

Certa vez, quando trabalhava em uma empresa no Rio de Janeiro, no idealismo dos meus 25 anos, coloquei sob o tampo de vidro da minha mesa de trabalho uma daquelas frases lapidares. Ao passar pela minha mesa, o diretor administrativo da empresa, com a experiência dos seus 70 anos, olhou para mim, apontou para a frase e disse em tom sentencial:

– “Palavras são palavras… nada mais que palavras, e quando você tiver a minha idade vai compreender isso…”.

Hoje, já passei da idade que ele tinha, mas continuo, como na minha juventude, cultuando a palavra e acreditando no formidável poder que ela pode ter no destino dos homens…

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