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As delações premiadas

Houve um tempo em que a delação tinha um valor negativo e o delator era uma figura execrada pela sociedade. Apresentaram-me Silvério dos Reis, naqueles idos do curso primário, como o grande vilão da Conjuração Mineira, responsável pela prisão e morte de Tiradentes e exílio dos demais conjurados. O filme “O Delator”, de John Ford, representado magistralmente por Victor McLaglen no papel de Gypo, o delator, foi um marco no cinema psicológico.  Naquela época, nem passaria pela cabeça dos alunos que um dia a delação teria uma conotação diferente e seria, até certo ponto, honrosa para o delator. E seria, além do mais, premiada pela Justiça.

Mudaram-se as regras, mas o Brasil não mudou em nada. As delações apenas colocaram a descoberto um instinto de corrupção que está na gênese da própria sociedade, ou pelo menos na maioria esmagadora dos seus integrantes. Primeiro, acusamos os políticos pelos escândalos que ocupam diariamente a mídia. Depois, conhecemos a corrupção das empreiteiras. E depois, de juízes de Tribunais de Contas e de chefes do Poder Executivo, como prefeitos, governadores e presidentes da República. Será que esses personagens vieram de outro planeta… de outra galáxia? Pior que não! Foram gestados aqui mesmo em nossa população. Saíram daqueles alunos que “colavam” para conseguirem nota, daqueles que sonegavam impostos, daqueles que não respeitam as leis de trânsito, daqueles que praticam pequenos furtos em mercados, daqueles que se esmeram para levar vantagem em tudo, daqueles que trocam o seu voto por vantagens. Saíram dessa gigantesca parte da população como ingredientes para a fabricação dos corruptos que um dia assumiriam os destinos do país. Se os ingredientes para se fazer um bolo são ruins, é impossível que o bolo saia com qualidade.

Delação premiada acabou se tornando uma figura de retórica. Só que a retórica aqui assumiu uma importância e uma dimensão significativa, na medida em que o delator foi o responsável pelo maior sistema de propina já visto na história da civilização e, exauridas as chances de defesa, acabou desvelando os subterrâneos do poder e a gigantesca maracutaia que vinha, sim, sendo praticada há muito tempo, mas que foi incrementada, instrumentalizada e institucionalizada em grande escala de 12 a 13 anos para cá.

A gênese do problema transcende, no entanto, esses tempos recentes. Desde a colonização, o germe da corrupção já estava implantado aqui, nessa terra de Santa Cruz. Os “santos do pau oco” eram levados do Brasil para a Europa recheados de ouro em pó ou pepitas, para fugir do imposto de 25% (o tal do quinto). Hoje, somos espoliados pelos governos, tanto federal como estadual, com impostos imensamente mais elevados, com a indústria dos radares nas estradas e com um sistema de saúde e de educação abaixo da crítica.

Octávio Mangabeira disse certa vez que o Brasil tinha que ser feito de novo. Penso ser uma tarefa muito difícil consertar isso que está aí. Mas o único modo seria através da educação. Não apenas a educação formal nos bancos das escolas, mas, principalmente, a educação que começa no berço, no seio da família e que fornece as bases para o surgimento do cidadão. Ali são forjados (ou deveriam ser) os valores pessoais e nacionais.

Mas até que isso aconteça, vamos vivendo o universo das delações premiadas, assistindo ao desfiar de listas e mais listas de corruptos e mostrando ao mundo essa banda podre da nossa pátria que envergonha aquela parcela de cidadãos dignos que ainda existe em nosso país.

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