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De novelistas e noveleiros

Há uma diferença muito grande entre novelista e noveleiro. A novela, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, pode ser definida como “uma narrativa breve, maior do que um conto e menor do que um romance”. Os que a escrevem com qualidade são chamados novelistas; os outros, podemos chamar mesmo de noveleiros.

A maior parte do que assistimos em nossas televisões são “novelos” que se enredam em torno de temas banais e que se desenvolvem ao sabor da audiência, esticando-se ou encurtando-se segundo a necessidade. Por isso, as novelas baseadas em obras ou romances consagrados tendem a ser melhores, porque não permitem ao noveleiro deformar a trama em benefício da audiência ou dos diretores de programação da emissora.

A coisa banalizou-se de tal maneira, que hoje é comum em nossas emissoras de televisão uma novela ter vários autores (?). Cada um toca a história ou o diálogo de um ou mais personagens e a obra novelesca fica assim como aquelas colchas de retalho que as nossas avós faziam. Aí a gente se lembra de um Dias Gomes.

Alfredo Dias Gomes nasceu em Salvador, em 19 de outubro de 1922, justamente o ano de grandes transformações na arte, no mundo e no Brasil. Faleceu em 18 de maio de 1999, às portas do novo século que surgia.

Dias Gomes, além de autor de incontáveis peças de teatro, foi o nosso grande novelista. Quem não se lembra de novelas como “O Bem Amado”, “Roque Santeiro”, “Bandeira 2”, “O Espigão”, “Saramandaia” ou a peça que se transformou em filme laureado no exterior, como “O Pagador de Promessas”, que consagrou Anselmo Duarte?

A literatura tem sido uma das maiores contribuições do homem para a civilização, pois registra, através da palavra, a trajetória humana neste mundo, descrevendo-lhe os caminhos e os descaminhos da sua existência. Jules Deleuse afirma que “não existe literatura sem fabulação, e ainda que a obra nos remeta sempre a agentes singulares, a literatura é agenciamento coletivo de enunciação”.

Em “Roque Santeiro”, por exemplo, Dias Gomes retratou o jeito de pensar e, essencialmente, o jeito de expressar esse pensamento do interior do nosso país. Um enfoque que não era dado em obras veiculadas pelas novelas de rádio ou de TV, pelo menos enfaticamente como o foi pelo autor baiano. Personagens como o santo milagreiro, a beata rezadeira ciosa de sua moral, o jagunço sempre pronto a executar as ordens do patrão e o lobisomem retratam, menos do que as personagens individuais referidas, o universo coletivo de uma sociedade que representam, como afirma Jules Deleuse.

Em mais de meio século de escrita, Dias Gomes, que se tornou membro da Academia Brasileira de Letras, deixou em 1999 uma lacuna em nossa produção de novelas que dificilmente será preenchida. Enquanto isso, vamos assistindo aos “novelos” televisivos, com tramas mal tramadas, às vezes tão óbvias, que não provocam mais tanto interesse no telespectador. O que salva é o encantamento estético de algumas atrizes, como uma Paolla Oliveira, uma Juliana Paes ou uma Isis Valverde que, independente da trama, prendem por si só o telespectador.

 

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