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O celular

O celular veio para mudar hábitos, sem dúvida. A grande variedade dos aparelhos de telefonia móvel, aliada aos recursos cada vez maiores da internet, construíram uma sociedade diferente. Nem pior nem melhor, apenas diferente.

As relações pessoais, antes caracterizadas pela presença física, pelo “tête a tête”, em que cada palavra era acompanhada por um olhar ou um gesto próprio, agora são intermediadas por poderosos satélites que circundam o nosso planeta, levando e trazendo mensagens. As pessoas acabaram preferindo as relações à distância através dos aparelhinhos. Timidez? Insegurança? Ou modismo mesmo?

Para compensar o tempo gasto na digitação dos caracteres nos WhatsApps, foi-se criando uma linguagem diferente, cada vez mais sintética e o nosso idioma foi-se mutilando, mutilando, até se transformar em um arremedo daquele que herdamos. É claro que a língua é dinâmica e se transforma o tempo todo, mas transformação é bem diferente de mutilação. Enfim, esse é o tempo em que vivemos.

Passava um pouco das 20 horas quando as três mocinhas entraram no restaurante. O objetivo do encontro era bater um papo, colocar as conversas em dia… espairecer o espírito em um papo de adolescentes. Escolheram uma mesa em um canto, de onde pudessem ver quem entrava e saía do restaurante. Ah… mas nem bem tomaram assento à mesa, sacaram de suas bolsas os smartphones. Cada um mais belo e sofisticado do que o outro. Os polegares ágeis passaram a dedilhar aquelas minúsculas teclas na sinfonia monocórdia dos WhatsApps. O teor daquelas mensagens curtas se estampava no rosto das meninas. Entre elas mesmas, nem uma palavra era trocada. O papo era só naquela imensa rede social, um papo virtual, repleto de signos linguísticos próprios, que deixariam Antenor Nascentes corado.

Os signos, ali, naquele universo encantado dos celulares, são abreviados, compactados, para expressarem o máximo possível dentro daquela minúscula tela.

A relação é virtual e o próprio nome “WhatsApp” já foi compactado para “ Zap-Zap”. As garotas, já acomodadas em suas cadeiras, “zapeavam” freneticamente enviando e recebendo mensagens. Mas entre elas, naquela mesa do restaurante, não trocavam nem um olhar. Era uma solidão a três. Com o garçom, trocavam uma ou outra palavra, quando pediam alguma coisa do cardápio.

As pessoas não se relacionam mais face a face, a não ser quando é absolutamente necessário. O relacionamento passou a ser virtual. Não se olharia mais o outro, olhos nos olhos e nem se tocariam e, se fosse do interesse, nem se ouviria a voz, apenas os signos escritos na telinha. Mas aí, criaram o IMO e o relacionamento da telinha acoplou-se à imagem em tempo real. Menos mal.

Mas já passava das 22 horas quando as meninas saíram do restaurante. Já na calçada, deram um “pause” nos aparelhinhos, suspiraram fundo e disseram: “Precisamos marcar outros encontros como esse. É tão bom a gente se encontrar…!”

Em seguida, cada uma seguiu o seu caminho, com os polegares ágeis dedilhando o minúsculo teclado.

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