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O gavião inesperado

Na minha rua não se vê outros pássaros que não sejam rolinhas, algumas maritacas ocasionais, os indefectíveis canários-da-terra e um casal de sabiás, que vive rondando a minha jabuticabeira, à espera dos seus frutos. Nenhum outro pássaro costuma aparecer na minha rua. Ah, ia me esquecendo. Um dia apareceu por aqui um urubu-rei, de passagem, que pousou por umas poucas horas para descansar, na grade do jardim de um vizinho. Depois, foi-se embora.

As escandalosas maritacas (um casal) vieram por vontade própria e externam sua gritaria, pousadas nos fios ou nas antenas das casas. As rolinhas vieram para se aninharem na densa folhagem da jabuticabeira, local ideal para a construção dos seus ninhos. O casal de sabiás veio para encantar as manhãs e as tardes da nossa rua. Mas os canários-da-terra, esses se apossaram da rua, fazendo seus ninhos nos beirais dos telhados, nos ocos dos postes, por um motivo óbvio: vieram atraídos pela alimentação farta das canjiquinhas de milho colocadas pelo saudoso vizinho Adson Portes em seu jardim, generosidade mantida por seus familiares. Para se fartarem da generosa ceia, frequentam o jardim do Adson da madrugada ao entardecer, estendendo sua mesa de refeição até a calçada da Oficina do José Carlos, coberta com a farta ração de fubá. Retribuem a gentileza com o seu belo e generoso canto.

Há vários anos, a nossa rua desfruta dessa agradável rotina, sob o encanto das cores e do canto desses pássaros. E eles já se acostumaram tanto com a presença das gentes, que nem se assustam mais quando passamos.

Acostumamos a ouvir o dia todo a algazarra dos cantos  e trinados, que só se encerram com o final da tarde, sol já posto, quando o costumeiro som é substituído pelos leves piados noturnos, uma cantiga de ninar, talvez, para os filhotes.

Mas ontem foi um dia diferente. A manhã começara com a cantoria normal de canários, sabiás, rolinhas e até das maritacas faladeiras, um verdadeiro concerto de múltiplas vozes, emoldurado pelo bonito azul do céu.

Mas, de repente, o silêncio. Os pássaros emudeceram como que por encanto. Depois, voaram em direções distintas, esconderam-se em telhados, no espesso da folhagem das árvores e nem um pio se ouviu mais. Intrigado, cheguei à janela para saber o porquê de tanto silêncio. Foi quando vi o enorme pássaro de bico adunco, olhos profundos e severos, deslizando em rasantes voos com o seu aterrorizante canto de guerra. Nenhum pássaro ousaria enfrentá-lo. O gavião pousou no alto da jabuticabeira e depois, em pulos comedidos e olhar atento, foi percorrendo os galhos, adentrando as folhagens. Enquanto passava de galho em galho, ia soltando seus gritos lancinantes. Não se ouvia qualquer sinal dos pássaros.

O poderoso gavião voou para o alto do oiti, depois para o cimo do prédio mais alto da rua, olhou aguçadamente para todas as direções e partiu num voo veloz, como o que o trouxera, para bem longe dali.

Ainda se passou aproximadamente um quarto de hora até que os pássaros, ressabiados ainda, começassem a voltar aos hábitos da rua. As maritacas, as primeiras a baterem em retirada, foram as últimas a voltar, o que confirma o ditado: “Quem fala muito, valente não é”.

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