Search
Close this search box.

Os funerais de antigamente

Falar da morte nem sempre é um assunto agradável, mas a morte faz parte da vida e só existe porque existe a vida como sua antítese, e é das duas que surge a síntese, que é a existência. Eu queria lembrar como era lidar com a morte em tempos passados.

Nos anos 50, as cerimônias fúnebres eram bem diferentes. Traziam do passado todo um cerimonial próprio que permaneceu por muito tempo, principalmente nas cidades do interior, mais afeitas a conservar tradições.

Os velórios eram na casa do falecido, junto da família e dos amigos, e o interessante é que não era comum existirem caixões prontos nas funerárias (pelo menos totalmente prontos). O dono da empresa, ou um funcionário seu, chegava à casa do morto, pedia licença e, todo circunspecto, tirava do bolso uma fita métrica e media o falecido do alto da cabeça ao dedão do pé. Aí sim, o caixão seria terminado na fábrica na medida exata para caber o defunto. Não deixava de ser um espetáculo constrangedor. E os caixões variavam de qualidade e preço, é obvio, como nos dias de hoje. Havia os totalmente de madeira e aqueles só com armação de madeira; o resto era um pano quase transparente, na cor roxa para a maioria, ou branca, se fosse uma criança ou uma donzela.

Para avisar os amigos e conhecidos, existiam as Cartas Fúnebres, impressas com tinta preta em um papel de qualidade inferior, que eram distribuídas pela cidade. Através daquele informativo, tomava-se conhecimento do falecimento de um conhecido, com informações sobre o horário do velório, endereço e hora do sepultamento.

Como os velórios eram realizados em casa, havia o cortejo fúnebre, que era uma verdadeira procissão (com reza e tudo), que ia da residência do falecido ao cemitério (normalmente administrado pela paróquia local). Quatro pessoas iam segurando as alças do esquife, revezando-se com outras quando o trajeto era longo. À medida que o cortejo ia passando pelas ruas, as casas comerciais tinham o hábito de baixar as portas até ao meio em sinal de respeito.

Após o enterro, seguia-se um período de luto para os membros da família. Existia o “luto fechado”, em que os parentes mais próximos só se vestiam de preto durante um certo tempo, e o “luto aliviado”, no qual outras cores discretas podiam entrar no vestuário, combinando com o preto. Isso para as mulheres, pois para os homens era usual usar uma tarja de pano preto na manga da camisa ou na lapela do paletó. Mas a manifestação do luto varia de acordo com as culturas. O uso do preto, por exemplo, é uma tradição do mundo cristão, mas no Japão, a cor para o luto é a azul e na China é a branca.

Tudo bem que esse é um tema lúgubre para se tratar em uma coluna de jornal, mas não deixa de ser uma reminiscência histórica que faz parte da vida e da história da nossa cidade. Mas a vida sempre revela surpresas. Certa vez, isso lá pelos anos de 1959, eu estava voltando com dois colegas atiradores de uma instrução no Tiro de Guerra 99 quando, na altura da Avenida Constantino Pinto, deparamos com duas pessoas, a passo acelerado, carregando um caixão. Abordamos os dois e dissemos:

– Podemos dar uma ajuda? Esse pobre coitado não tinha nem quatro amigos para carregar seu corpo?

Os dois caras responderam com ar de riso:

– Aqui não tem defunto não. Estamos levando o caixão da marcenaria para a funerária…!

Deixe um comentário

Outras Notícias