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Tempus Fugit

O projeto de salvação anunciado pela Bíblia sagrada tem um caminho bem delineado. Este parte de Deus, passa pelo tempo, marca a história dos homens, resgatando-o dos limites do tempo. O absurdo da vida ganha significado diante do projeto da salvação. Em que consiste este projeto? Ser salvo de que? Diríamos: do nada, do fim total.

O profeta Isaías, na primeira leitura do 24º domingo do Tempo Comum (Is 50, 5-9), diante de sua dura missão de animar o povo em tempo de escravidão, não lamenta o tempo dedicado a esta missão. Sabe o profeta, que embora o tempo presente estava submetido àquela dura realidade do domínio babilônico, o tempo não se resumiria somente àquilo. Não poderiam se render. Era preciso reconstruir, se não para si, para os filhos e netos, a esperança da libertação. O profeta não lamenta o tempo dedicado a esta missão. Muito pelo contrário, ele manifesta sua confiança em Deus quando afirma: “não lhe resisti e nem voltei atrás”. Assumiu todos os ultrajes e desafios por ter total confiança em Deus e em Seu projeto. Assim, ele permanece com “o rosto impassível como pedra”, e nesta firmeza em Deus, convoca os inimigos para que se apresentem, pois sua fé não vacilará. É esta mesma firmeza que Jesus quer ver em seus discípulos (Mc 8, 27-35). Embora o povo viva apenas esperando neste tempo, investindo neste tempo e pautando-se por este tempo, Jesus quer discípulos capazes de prescindir a este tempo; este está contaminado pelo mal, que tem suas raízes no poder, no prazer e no ter. O tempo passa e com ele tudo o que lhe pertence. No deserto, num jogo entre crer em Deus e crer em satanás, Jesus, ao vencer as tentações, confirma sua confiança total em Deus. Diante do anúncio da paixão, Pedro, símbolo de toda a comunidade, demonstra ainda não estar pronto. Ainda demonstra insegurança e, por isso mesmo, é repudiado por Jesus. Na segunda leitura, Tiago, com sua clareza de estilo, orienta que se acreditamos em Deus e Nele esperamos, devemos manifestar esta fé para o mundo em obras boas. Fé e obras manifestam a única realidade do discipulado. A fé sem a obra é o mesmo que fanatismo; a obra sem a fé é o mesmo que ativismo. Significamos o tempo que foge se o marcamos com nossa fé e nossas obras.

Em 1995, preparando-me para iniciar meus estudos de Filosofia em Belo Horizonte, ganhei um livro de Rubem Alves, que possuía um título em latim “Tempus Fugit”, que quer dizer: “O Tempo Foge”. Nele, o grande poeta lembra, logo na introdução, de um antigo relógio que dizia a cada hora: “o tempo foge”, e arremata: “quem sabe que o tempo está fugindo descobre, subitamente, a beleza única do momento que nunca mais será”.

Na Quaresma deste ano, dentre os penitentes que costumeiramente atendemos, uma se destacou. Chegou com receios, logo dizendo que fazia tempo que não realizava uma confissão auricular. Participava, com satisfação, das confissões comunitárias. Este ano, porém, sentiu tal necessidade. Não sabia por onde começar. Pedi a ela que me falasse da vida. Nesta hora, recobrou sua confiança e vivemos um momento de aproximadamente uma hora de belíssimas histórias e recordações. Contou-me desde sua infância, à sua vida profissional, familiar e os dias de hoje, preenchidos, principalmente, pelos momentos de fé e oração. Ao final, convidou-me para um café, o que atendi prontamente duas ou três semanas depois. Estes foram momentos únicos que nunca mais serão. Esta semana, ela teve a oportunidade de dizer diretamente ao criador da mesma forma que o fez o profeta Isaías como venceu o tempo dos homens aqui na terra. Dedico este texto à senhora Maria da Paz Marge. Descanse em paz!

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