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Um coração dividido em duas pátrias

Saímos de Paris com destino a Rouen às 9,17 da manhã. É interessante como os horários de partida e chegada dos trens por aquelas bandas é sempre em frações de horas e as saídas e chegadas ocorrem rigorosamente no horário. Assim, chegamos ao nosso destino às 10,47, cerca de uma hora e meia depois. Embarcamos na histórica Estação de “St. Lazare” na capital francesa e desembarcamos na Estação principal de Rouen, a capital da Normandia.

A Normandia fica a noroeste de Paris, bordejando o Mar do Norte. Foi uma região invadida há centenas de anos por Vikings, Noruegueses e Suecos, que eram chamados os homens do norte ou “norsemen”, na língua nórdica, que acabou por dar origem ao gentílico normando e o próprio nome da região.

A Normandia é hoje famosa pela produção de seus queijos, considerados os melhores do mundo, principalmente o famoso Camembert, feito com leite cru (não pasteurizado), das famosas vacas normandas.

Mas o que nos levou a visitar Rouen foi o fato de ter sido ali o local em que a jovem e valente Joana D’Arc foi queimada viva em uma fogueira, após ter sido encarcerada em uma torre que hoje leva o seu nome. Foi queimada na velha Praça do Mercado, onde se ergue hoje uma estátua em sua homenagem. Havíamos visitado, em uma viagem anterior, a histórica cidade de Blois, no Vale do Loire, onde a jovem Joana D’Arc organizou as suas tropas para atacar Orlèans.  Capturada em 1430 em Compiègne, a jovem foi levada para Rouen e entregue aos ingleses que à época dominavam a região da Normandia e esses, por sua vez, entregaram Joana ao Clero local que a condenou ao martírio da fogueira, aos 19 anos. Rouen, portanto, fecha o círculo entre o início e o fim da heroica aventura da jovem francesinha que séculos depois foi absolvida pela Igreja e elevada à condição de Santa Joana D’Arc, hoje venerada pelos franceses.

Mas Rouen tem muito mais história para nos contar. É banhada pelo rio Sena que serpenteando da região central da França até o norte do país, acaba desaguando no mar do norte onde dissolve sua identidade nas frias águas daquele mar. As centenárias casas de enxaimel de Rouen, com traves de madeira cruzadas e os vãos preenchidos por tijolos, espalhadas por seu centro histórico são uma prova do apreço do povo local por sua tradição. O famoso “Gros Horloge”, um relógio astronômico inaugurado no século XIV, é outra atração histórica da cidade.

Mas sem dúvida, a grande atração da capital normanda fica mesmo por conta da sua imponente Catedral de “Notre Dâme de Rouen”, um verdadeiro monumento à cristandade, que sofreu violentos bombardeios quando da invasão dos aliados na Normandia, restando nos blocos de granito da sua fachada as marcas das metralhadoras ponto 50 da Segunda Grande Guerra. A parte românica da majestosa Catedral foi construída no ano de 1030 e sua parte gótica em 1.145, mas a obra foi efetivamente concluída em 1506, apesar do seu magnífico pináculo de ferro fundido ter sido colocado em 1876 elevando a altura da Catedral a 151 metros. O impressionante de uma catedral gótica são as suas torres pontiagudas que, como finíssimas agulhas quase que se dissolvem no céu, oferecendo um espetáculo de transcendência àqueles que a contemplam.

Fiquei intrigado com o fato de estar ali, na nave daquela Catedral o túmulo com os restos mortais do rei Ricardo I da Inglaterra, o famoso “Ricardo Coração de Leão”, assim conhecido por sua coragem nos campos de batalha. Tive que pesquisar pois não entendia o fato de um rei inglês ser sepultado em solo estranho à sua pátria. Acabei descobrindo que o famoso rei inglês era um admirador profundo daquela região, que à época pertencia à Inglaterra e passava muito mais tempo na Normandia do que no seu próprio país. Diz a lenda que o rei gostava mais de se comunicar em francês do que em inglês. Mas por que o túmulo de Ricardo I na Catedral de Rouen ?  Ricardo Coração de Leão, que viveu de 1.157 a 1199, foi sepultado na Abadia de Fontevraud, a 260 km de Rouen mas, a seu pedido, apenas o seu coração foi sepultado na Catedral de Rouen, como preito à terra que tanto amava.

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